Photographie © Sonia Marques

Offrir à l'autre et recevoir, au détour d'un regard, un livre, un auteur portugais, Raul Brandão, de l'édition Chandeigne, chez cet éditeur, chez qui, j'aimais aller à Paris, dans le 6e arrondissement, dans sa librairie, passer quelques après-midi, et lui me raconter, dans son fatras de nouvelles parutions les unes et les autres, tous ces voyages écrits, qui nous font croire, qu'un jour, on partira, aussi.

Lui qui se  concentrait constamment sur le drame terrible de la condition humaine, imprégné de souffrance, d'angoisse, de mystère et de mort, et ses références constantes à l'offensé et à l'humilié, face visible de l'expression humaine qui est l'un des motifs les plus réguliers de son travail, est devenu, l'un des écrivains  avec Fernando Pessoa, ayant le plus influencé l'évolution de la littérature portugaise au XXe siècle,

Humus, n'est pas un roman comme un roman, il aborde des personnages issus de l'écriture poétique et philosophique, qui interrogent les modes de représentation du réel pour s'affirmer comme une méditation sur la métaphysique de la douleur et sur l'absurdité de la condition humaine, entre le rêve et la disgrâce.


Raul Brandão

Prosateur, écrivain de fiction, dramaturge et peintre, originaire de Foz do Douro, Porto, il est né le 12 mars 1867 et a vécu une partie de sa vie à Lisbonne, où il est décédé le 5 décembre 1930. Descendant d'hommes de la mer, son enfance a été marquée par le paysage physique et humain de la zone de pêche de Foz do Douro. Toujours à Porto, il vit avec les jeunes écrivains António de Oliveira, António Nobre et Justino de Montalvão avec qui, en 1892, il signe le manifeste Nefelibatas. Il a commencé sa carrière littéraire en 1890 avec Impressões e Paisagens.



Prosador, ficcionista, dramaturgo e pintor, oriundo da Foz do Douro, no Porto, nasceu a 12 de março de 1867, e viveu parte da sua vida em Lisboa, onde veio a falecer a 5 de dezembro de 1930. Descendente de homens do mar, a sua infância foi marcada pela paisagem física e humana da zona piscatória da Foz do Douro. Ainda no Porto, conviveu com os jovens escritores António de Oliveira, António Nobre e Justino de Montalvão com quem, em 1892, subscreveu o manifesto Nefelibatas. Iniciou a sua carreira literária em 1890 com Impressões e Paisagens. Frequentou o curso superior de Letras, mas ingressou na carreira militar. Colocado em Guimarães, retirou-se para a Casa do Alto, quinta próxima de Guimarães, local de produção da maior parte da sua obra literária, alternando o isolamento nortenho com estadias em Lisboa, onde desenvolveu paralelamente uma atividade jornalística, tendo colaborado em publicações como o Imparcial, Correio da Noite, Correio da Manhã e O Dia. Nestes últimos, é constante o seu debruçar sobre o terrível drama da condição humana, perpassado pelo sofrimento, a angústia, o mistério e a morte. São também constantes as referências aos ofendidos e humilhados, face visível da expressão humana que é um dos motivos mais regulares na sua obra.

Ao longo de uma obra multifacetada, Raul Brandão viria a ser um dos escritores que, a par de Fernando Pessoa, mais influíram na evolução da literatura portuguesa do século XX, sendo eleito figura tutelar não apenas de gerações suas contemporâneas, como o grupo reunido em torno de Seara Nova, ou o chamado grupo da Biblioteca Nacional (Jaime Cortesão, Raul Proença, Aquilino Ribeiro, Câmara Reis), como de gerações posteriores para as quais a redescoberta da obra de Raul Brandão serviu de esteiro para o reformular de estruturas novelísticas tradicionais.

Esse processo de rutura que se enceta com A Farsa, romance que dá a voz à personagem Candidinha, um ser marginalizado pela sociedade em quem, sob a farsa da submissão, se condensa um discurso de ódio, de inveja e de maldade, culminaria em obras-primas como Os Pobres e Húmus. Dificilmente qualificáveis como romances, estas duas obras, aproximando-se de caracteres da escrita poética e filosófica, colocam em causa os modos de representação do real para se afirmar como uma meditação sobre a metafísica da dor e sobre o absurdo da condição humana, dentro da qual as coordenadas de tempo, espaço, intriga ou personagens, apenas esboçadas, servem de cenário universal e abstrato para o drama secular da luta do homem entre o sonho e a desgraça.

Conjugando a influência de Dostoievski, com o simbolismo e com um sentido de modernismo, registado em processos como a fragmentação do eu [nas duas obras acima enunciadas, o eu tenta opor-se à voz de um alter-ego, o filósofo Gabiru, cujo discurso, também na primeira pessoa, é esboçado nos "papéis do Gabiru" (Húmus) ou na "filosofia do Gabiru" (Os Pobres)], Raul Brandão inaugura uma forma de escrita romanesca que, rompendo com a linearidade do tempo e da sintaxe narrativa, se desenvolve de forma circular em torno de símbolos e palavras-chave como árvore, sonho, dor, espanto, morte.

Entre a redação e a publicação de Os Pobres (1906) e Húmus (1917), Raul Brandão publicou os romances históricos El-Rei Junot (1912), A Conspiração de 1817 (1914, reeditado, em 1917, com o título: 1817 - A Conspiração de Gomes Freire) e O Cerco do Porto, pelo coronel Owen (1915), obras que, tendo por objeto as convulsões do início do século XIX, se até certo ponto divergem da obra ficcional do autor pela exigência de rigor no tratamento da matéria histórica, revelam também uma tendência para envolver os conteúdos de um sentido universalizante anunciado desde a introdução a El-Rei Junot, quando afirma, numa reflexão metafísica que poderia ser colocada na boca do Gabiru, que "A história é dor, a verdadeira história é a dos gritos. [...] O Homem tem atrás de si uma infindável cadeia de mortos a impeli-lo, e todos os gritos que se soltaram no mundo desde tempos imemoriais se lhe repercutem na alma. - É essa a história: o que sofreste, o que sonhaste há milhares de anos, tateou, veio, confundido no mistério, explodir nesta boca amarga, neste gesto de cólera...".

Em conexão ainda com a obra de ficcionista, Raul Brandão publicou três volumes de Memórias (vol. I, 1923; vol. II, 1925; vol. III, 1933) onde evoca episódios, figuras, boatos, chistes políticos e sociais; e apresenta um testemunho direto sobre acontecimentos históricos. No prefácio ao primeiro desses volumes memorialísticos, a comprovar que as fronteiras entre os vários géneros cultivados por Raul Brandão têm contornos diluídos, a voz do autor torna-se, pela mesma angústia metafísica, indistinta da das suas personagens ficcionais, ao afirmar que "O Homem é tanto melhor quanto maior quinhão de sonho lhe coube em sorte. De dor também", ao constatar a inutilidade da vida ("Agarro-me a um sonho; desfaz-se-me nas mãos; agarro-me a uma mentira e sempre a mesma voz me repete: - É inútil! Inútil!"), ao concluir que " Deus, a vida, os grandes problemas, não são os filósofos que os resolvem, são os pobres vivendo. O resto é engenho e mais nada. As coisas belas reduzem-se a meia dúzia: o teto que me cobre, o lume que me aquece, o pão que como, a estopa e a luz. / Detesto a ação. A ação mete-me medo. De dia podo as minhas árvores, à noite, sonho. Sinto Deus - toco-o. Deus é muito mais simples do que imaginas. Rodeia-me - não o sei explicar. Terra, mortos, uma poeira de mortos que se ergue em tempestades, e esta mão que me prende e me sustenta e que tanta força tem... [...] Teimo: há uma ação interior, a dos mortos, há uma ação exterior, a da alma. A inteligência é exterior e universal e faz-nos vibrar a todos duma maneira diferente. Destas duas ações resulta o conflito trágico da vida. O homem agita-se, debate-se, declama, imaginando que constrói e se impõe - mas é impelido pela alma universal, na meia dúzia de coisas essenciais à vida, ou obedece apenas ao impulso incessante dos mortos." (Memórias, vol. I, Lisboa, Perspetivas e Realidades, s/d, p. 14).

Raul Brandão é ainda autor de várias peças de teatro, onde temática ou formalmente subverte as expectativas da receção dramática do início do século XIX, em peças como O Gebo e a Sombra, O Rei Imaginário, O Doido e a Morte, Eu Sou um Homem de Bem ou O Avejão.

Chandeigne publie le petite article sur ce livre, en français (de Gladys Marivat – Le Monde – Mars 2023) :

Plus d’un siècle après sa première ­parution, en 1917, que vient nous dire ­Humus, le chef d’œuvre du romancier portugais Raul Brandao (1867-1930) ?

La voix impitoyable de son narrateur, son acuité terrible, n’ont rien perdu de leur pouvoir de fascination. Entre affliction et dégoût, son journal entremêle la description du train-train d’un village, une réflexion profonde sur la finitude humaine et des visions étranges de personnages, tel le « Gueux », « un être qui vient de l’irréel », probablement en communication directe avec le mystère de la vie. Les personnages de Brandão attendent la mort. L’écrivain voit dans leurs attitudes la manifestation de ce qui les agite : jalousie, ennui, amertume, avarice. Les personnages de Brandão entendent la mort : elle est omniprésente dans les pierres qui s’effritent, la mousse et la pourriture qui recouvrent les maisons. Le narrateur se reconnaît en eux. Tous ont en commun d’être visités par « le rêve ». « Le rêve trouble la ville comme le printemps trouble cet étang, qui n’est que boue et azur : il le colore et l’agite. Mais l’habitude a si bien imprégné la vie que l’on cohabite avec la peur et que l’on continue d’aller au bureau. » Les éditions Chandeigne, qui le rééditent, qualifient Humus d’«antichambre» du Livre de l’intranquillité (Christian ­Bourgois, 1988-1992), de Fernando Pessoa (1888-1935). Il a influencé un siècle d’écrivains portugais, dont le Prix ­Nobel José Saramago (1922-2010), qui le cite comme son livre préféré.


( ´ ∀ `)ノ~ ♡

Heureux le petit prosateur...


Photographie © Sonia Marques