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Fotografías © Sónia Marquès

a muda

no meu país professora e desempregado 
sofri um interrogatório sobre a minha vida privada 
sem ninguém para proteger-me 
sem advogado 
sem ter sido avisada

representantes do estado enviaram-me à polícia
seguidamente fui tomada em fotografia como uma criminosa 
para um ficheiro não sei onde 

desde não durmo mais
ou durmo-me demasiado 
vivo em terror 
sinto-me ameaçado de morte 

e estes ataques vêm de representantes da cultura
mas que são, quem são eles ? 
por fazerem isso ?

à quantos inocentes fazem aquilo?
tenho medo todo o tempo 
não posso contar à ninguém 
tenho este blog 
por isso deixo cair essas dores aqui

não me sinto bem no meu país
observo uma sensação
de um linchamento permanente
sobre outras pessoas também
vejo todas aqueles que sabem e calam-se
faz muita pressão 

então o que escrevo para vós
endereço-o por primeiro a mim mesma
a muda e vossa língua 
pensando que eles não me punirão 
por escrever para você
porque não compreendem a nossa língua 
a língua dos inocentes 

o que é cultura ?

uma pergunta cada dia renovada
ao prisma das minhas origens 
você que está aí 
você que não teve as palavras

você que sabe gritar e rir
você que teve a cultura
mim que está em outro lá
onde a cultura mostra-se com milhões 
mim que é desempregado 
depois de ter passado minha vida 
aprendendo e ensinando aos outros 

sempre estranhos para si

quem sou eu para estar assim tão longe
da cultura que você me deixou aprender 
aprender na solidão 
aprender com solicitude 
aprender sem ser forçada a nunca 
aprender olhando para si

ser privado da palavra
às vezes da escuta 
não poder ser entendido 
mas ser presente ao mundo 
vê-lo enquanto nos sentamos
passar por si sem vos ver

somos mudos
mas somos a cultura 

havia nada, eles diziam ?
havia todo